quinta-feira, 4 de agosto de 2011


Crítica
Era uma vez uma menina brasileira improvável – nome americano, olhos claros, sardas, cabelos cor de milho –, fazendo música brasileira improvável – rock ‘n’ roll, música clássica, bolero, solo de tampinha de Coca-Cola. Ainda mais improvável: deu tudo certo, tão certo que Rita Lee Jones foi primeiro sucesso de crítica, depois de público. Não deixa de ser irônico e injusto que as coisas tenham acontecido precisamente nestes termos, “primeiro” e “depois”. Rita teria sido consagrada mãe do robusto roque brasileiro – com todas as infinitas possibilidades do abrasileiramento da palavra “rock” –, se justamente no momento de maior afirmação do gênero no país, os anos 80, ela não estivesse nadando em outra praia. Como estava, ficou relegada à categoria das tias-sobre-as-quais-não-se-gosta-de-falar.

A história, sempre ela, há de fazer-lhe justiça, amarrando as duas pontas da carreira dessa moça que sempre gostou de farra. Primeiro, a farra levava o nome coletivo de Os Mutantes, banda de rock que Rita levou adiante com os irmãos Dias Baptista, Arnaldo e Sérgio. Juntos, em canções como “Ando meio desligado” e “El justiceiro”, os três arrombaram a festa da linha evolutiva da MPB, na companhia de seus incentivadores Caetano Veloso e Gilberto Gil. Foi a época do sucesso de crítica, a época da Tropicália (posteriormente redescoberta e cultuada por americanos como Kurt Cobain e Beck). Depois, Rita percebeu que os caminhos dos Baptista se afastavam do grande público e – solo, com o Tutti Frutti ou com o marido Roberto de Carvalho – passou a flertar cada vez mais intensamente com ele em finas canções de apelo fácil, como “Mania de você” ou “Lança-perfume”. Entre o “primeiro” e o “depois”, porém, houve uma Rita Lee capaz de fugazmente conciliar as ambições artísticas da juventude com as ambições comerciais da maturidade. Foi a Rita Lee de “Ovelha negra”, sua carta de intenções artísticas.



Arthur Dapieve

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